"A infância é medida pelos sons, aromas e cenas, antes de surgir a hora sombria da razão." (John Betjeman)

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Sugestão de leitura: MÉREDIU, Florence de. O desenho infantil: São Paulo, Cultrix, 1979.116p.

Neste livro a autora faz uma exposição crítica dos métodos utilizados na análise do grafismo infantil e propõe, perspectivas as quais os desenhos infantis não deveriam ser reduzidos às “categorias” dos adultos, mas abordados numa ótica diferenciada. A autora reflete ainda sobre a psicologia e psicanálise, e suas contribuições para o estudo do desenho.

Florence de Méredieu , docente da Universidade de Paris na área disciplinar de artes plásticas,  propõe neste livro uma reflexão sobre o universo dos primeiros traços do grafismo infantil e sua evolução com a sucessão de idades, estabelecendo o lugar do desenho infantil, como único e singular, e o distanciando dos modelos de análise dos desenhos  adultos.

Todo o movimento do livro é focado no desenho infantil no qual a autora vai retratando, minuciosamente,  o grafismo desde seus primeiros traços,  sua evolução e as etapas do desenho que sofre influencia da idade, o contexto cultural e  do contexto psicológico. Para traçar seu percurso teórico do desenho menciona as transformações da arte contemporânea, na qual a arte deixa de ser um produto de beleza simbólica rígido tornando-se “efêmeras”.

Daí resulta uma valorização do gesto e da ação, segundo a autora, dá-se maior destaque à criação e não mais a obra e ao produto, que se tornam concreções, coisas, mortas, detritos, separados das forças que lhe deram origem. “Dessa forma os artistas contemporâneos reencontram uma atitude que é a mesma da criança em face de suas produções.” (pág. 06)

Segundo Méredieu, o desenho na criança é um gesto motor. Ela  concentra todas as suas energias naquele momento  o corpo inteiro funciona nessa gesticulação. A criança se interessa em deixar uma marca na superfície, conforme o avanço em idade, a rapidez do traço diminui, tornando-se bem acabado e confundindo-se com as produções adultas. A possessão   simbólica  adulta  é uma questão central para a criança que procura deixar sua marca naquilo que o adulto não permite. Portanto, o desenho vai se constituindo  a partir dessa relação com o mundo adulto sofrendo rupturas conforme o crescimento. O foco da criança, que até então era o desenho, passa a ser, e gerar a escrita.

A autora salienta ainda que, entre os três e quatro anos a criança tenta imitar o adulto, produzindo uma escrita “fictícia”. Seria um traçado em forma de dentes de serra  e que segue seu imaginário. Porém, ao atingir a idade escolar, ocorre uma diminuição da produção simbólica através do desenho, pois a escrita é considerada mais importante. Aqui  se pode construir uma reflexão sobre o papel da escola, já que tanto o desenho como a escrita são importantes nessa inserção no mundo letrado. Assim, o melhor seria que ambas corroborassem o processo de construção da atividade gráfica. Numa das suas análises, mostra-nos que muitos povos a linguagem gestual serviu de exemplo para a construção dos signos da escrita. O desenho seria o intermediário da escrita porque ambas se completariam nesta transcrição gráfica. Em relação ao seu discurso, Mérediu deixa claro que o desenho infantil seria um conjunto de níveis sucessivos com características próprias. Com a idade, esses níveis adquirem características individuais da sua vivência. Cita a importância da imagem que vem da criança, e a sua representação que tem valor secundário. Ela valoriza as formas, os signos  e as estruturas, isto é, uma  gramática de signos gráficos que nos fazem entender como a criança passa de uma figura à outra através das transformações residuais que perdem seu valor expressivo dando lugar a outra forma como exemplo: o boneco girino dá origem ao desenho do sol. Esse sol se prolifera e dá origem a cabeça humana, do cachorro ou da mesa de quatro pés deitados.

Nessa  transformação, o corpo seria a matriz chave de desenho infantil, tornando-se a base para todos os desenhos que surgirem. Para a autora, a criança vive num espaço, e se coloca dentro dele na representação gráfica. Ocorre então uma transformação na distribuição das linhas na superfície e o traço vira forma, depois uma figura, e na seqüência, surgem os personagens. Os esquemas do boneco, ou da casa, seriam as conseqüências dos traços anteriores. A partir disso, a criança passaria a usar dois processos: o plano deitado, onde os objetos apareceriam em forma de perspectiva mas deitados em torno de um ponto ou um eixo central. A transparência do desenvolvimento aparece na mistura de diversos pontos de vista fora e dentro, como no caso da casa vista de fora e de dentro, na colocação dos objetos.

Na conclusão do livro, a autora vai parafraseando seu discurso a respeito do desenho infantil, abrindo leques com as outras áreas do conhecimento, fazendo uma crítica do uso inadequado do desenho em diagnósticos psicológicos na infância. Por último, cita algo presente na vivencia das crianças: a mídia. Ela sedutora, com características consumistas e incontrolável pelos sujeitos quando não trabalhadas adequadamente.

Dentro destes aspectos citados, ainda estão alguns detalhes curiosos você precisa conferir. Leia o livro.

Para melhor compreender o desenho infantil, segue algumas imagens de experiências com crianças e o processo da formação do traço.
Menina de 1 ano e 9 meses
Traço desordenado, linhas sobrepostas, gesto motor.

Menina de 2 anos e 5 meses
Concentração da criança no traço, intermediário da figuração. Do gesto desordenado motor, com o avanço da idade seu traço vai se definindo.



Menina de 3 anos
Evolução do desenho simbólico, do traço desordenado passando pelo círculo, chegando ao figurativo. A matriz norteadora é o círculo que deriva o corpo da figura, compondo com as partes do corpo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário